Por circunstâncias pessoais, eventualmente, os adquirentes de imóveis na planta podem desejar desfazer o negócio e devolver o imóvel ao incorporador.
Neste artigo vamos abordar a questão, mostrando quando é possível realizar esse distrato, como operacionalizar e quais as consequências.
Trataremos do assunto sobre a ótica da Lei nº4.591/1964, já com alterações feitas pela Lei nº 13.786/2018, portanto, as peculiaridades que aqui serão apresentadas aplicam-se à compra de imóvel incorporado realizada após o ano de 2018.
1ª Hipótese para devolução do imóvel adquirido na planta – Direito de arrependimento
O comprador que adquire imóvel através de contrato celebrado em um estande de venda fora da sede do incorporador possui direito de arrependimento, e por isso, pode devolver o imóvel no prazo de 7 (sete) dias a contar da data da assinatura do contrato (§§10 e 11 do art. 67-A da Lei nº4.591/1964).
A comunicação da intenção de devolver o imóvel deve ser feita através de envio de carta, com aviso de recebimento, postada em até sete dias após a assinatura do contrato para aquisição do imóvel.
Exercido o direito de arrependimento, caberá ao incorporador/vendedor realizar a devolução integral da quantia recebida ao promitente comprador, incluindo os valores relativos à comissão de corretagem.
2ª Hipótese para devolução do imóvel adquirido na planta
É possível devolver o imóvel adquirido mesmo após o fim do prazo de arrependimento (7 dias da compra). No entanto, se a desistência ocorrer sem culpa do incorporador, o adquirente sujeita-se à reparação das perdas e danos que causou ao vendedor (art. 67-A, §§ 1º a 8º).
Desejando desistir da compra, deve-se formalizar por escrito a vontade perante a incorporadora/vendedora.
Operacionaliza-se a devolução de imóvel através de instrumento específico de distrato.
O distrato é forma de extinção de contrato que se opera mediante acordo entre comprador e vendedor. Este instrumento deve possuir a mesma forma do contrato realizado para a compra, ou seja, se o contrato foi feito em cartório (instrumento público), o distrato deve também ser feito em cartório (instrumento público), de igual modo, se a aquisição foi feita mediante contrato particular, o distrato deve possuir a mesma forma.
Quais a consequências da devolução?
Realizado o distrato, o imóvel será devolvido ao incorporador/vendedor que em contrapartida estará obrigado a restituir ao adquirente os valores que recebeu.
A restituição será integral em caso de culpa do incorporador, ou parcial quando quem deu causa foi o comprador.
Assim determina a súmula 543 do STJ:
Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. (SÚMULA 543, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)
Em qual situação o distrato ocorrerá por culpa do incorporador?
O distrato ocorrerá por culpa do incorporador quando houver atraso na entrega do imóvel que extrapole prazo de 180 dias de tolerância
Quais descontos podem ser feitos em caso de devolução sem culpa do vendedor?
Aqui devemos trabalhar com duas hipóteses:
- Distrato realizado antes da entrega das chaves:
Nessa situação, poderá o incorporador descontar o valor integral da comissão de corretagem e da pena convencional.
- Distrato realizado após a entrega das chaves:
Nesse caso, poderá o incorporador descontar o valor (i) integral da comissão de corretagem; (ii) da pena convencional; (iii) dos impostos reais incidentes sobre o imóvel (IPTU); (iv) das cotas de condomínio e contribuições devidas à associação de moradores; (v) correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% do valor atualizado do contrato, por mês de ocupação e; (vi) demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas em contrato,
Feitas as deduções, paga-se ao adquirente o saldo atualizado com base no mesmo índice estabelecido em contrato para a correção monetária das parcelas do imóvel.
Limitação de descontos
A pena convencional mencionada no tópico acima é uma multa prevista em contrato para situações de extinção contratual.
Mas esses descontos estão limitados a 25% da quantia paga em incorporações que não possuam patrimônio de afetação e à 50% da quantia paga em incorporações com patrimônio de afetação.[1]
Pena convencional acima disso é considerada abusiva e pode ser revista judicialmente.
Ademais disso, os descontos do valor (i) integral da comissão de corretagem; (ii) da pena convencional; (iii) dos impostos reais incidentes sobre o imóvel (IPTU); (iv) das cotas de condomínio e contribuições devidas à associação de moradores e (v) dos demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas em contrato estão limitados ao valor efetivamente pago pelo comprador.
Por outro lado, o desconto correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% do valor atualizado do contrato, por mês, não possui limitação, e por esse motivo pode não restar valor a ser restituído ao adquirente.
Os descontos serão sempre realizados?
Os descontos acima elencados só poderão ser realizados se o contrato de aquisição do bem imóvel atender as seguintes exigências (art. 35-A da Lei 4.591/1964):
- Apresentar quadro resumo e cláusulas em negrito com todas as penalidades impostas ao incorporador e ao comprador em caso de desfazimento do contrato;
- Contatar com assinatura do adquirente no quadro resumo e nas cláusulas que indicam as penalidades. Somente rubricar todas as páginas é insuficiente e, se assim ocorrer, os descontos não poderão ser realizados.
Qual o prazo e forma para restituição dos valores?
Em situações de distrato com culpa do adquirente, o incorporador deve restituir os valores em parcela única em: (i) 180 dias, contados do desfazimento do contrato, se a incorporação não possuir patrimônio de afetação; (ii) 30 dias após o habite-se, se a incorporação possuir patrimônio de afetação ou; (iii) 30 dias da revenda, se ocorreu revenda do imóvel antes dos prazos apresentados nos itens (i) e (ii).
Por outro lado, ocorrendo distrato por culpa do incorporador, a devolução integral dos valores deve ocorrer no prazo de 60 dias.
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Por Izabelle Castro.
[1] O patrimônio de afetação, resumidamente, é instituído para separar o patrimônio do construtor/incorporador e o patrimônio destinado ao empreendimento.
Com a incomunicabilidade dos bens, os valores recebidos para o levantamento de determinado empreendimento não poderão ser aplicados em outro e nem ser utilizados pelo incorporador/construtor para fim diverso, o que representa maior segurança aos adquirentes de que a obra será finalizada.
É possível descobrir se a incorporação possui patrimônio de afetação consultando o contrato de compra e venda, a escritura pública, a matrícula do imóvel ou o registro da incorporação junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Muito esclarecedor!